quinta-feira, setembro 27, 2007

O comportamento humano - I

O comportamento humano é um dos mais fascinantes do reino animal, especialmente quando somos capazes de nos distanciar e de observar friamente as diversas atitudes que adoptamos quando nos relacionamos, por força das circunstâncias, com desconhecidos. Um dos melhores ambientes para este tipo de observações é o dos supermercados, em especial à hora de ponta, altura em que se acumula a clientela em torno do balcões do talho, da peixaria e se formam aquelas enormes filas para as Caixas.
De há alguns anos para cá, foi adoptado o sistema de senhas para evitar os atropelos mas, mesmo assim, assistem-se ainda a valentes discussões na hora do atendimento:
- cada vez que se ouve o beep-beep a anunciar uma nova senha, olhos ansiosos verificam o seu número; alguns ficam desalentados e suspiram, disfarçando a frustração com mais um olhar para as peças de carne. Número 67...quem tem o 67? diz o talhante vestido de paciência. Nada. O 68? Esbaforida, bufante na sua gordura imensa, a mulher avança decidida... Ora sou eu, o 68. Veja-me aí esse pedaço de entrecosto. É interrompida pela voz esganiçada de uma outra que se aproxima, vinda sei lá de onde, com uma lata de feijão na mão: Eu tenho o 67, o 67...já passou a vez? pergunta desconsolada. O talhante, desinteressado da gorda do entrecosto, afirma que não, que há tolerância de números. Parece impossível, diz a gorda de cara virada para o cliente do lado, tinha obrigação de estar aqui à espera como os outros. A outra ouve e replica: Ó minha senhora, fui só buscar uma lata de feijão... Pronto, estava o caldo entornado! A gorda reage, mas sem encarar a sua interlocutora profere altivamente um Não estava a falar consigo! Burburinho no amontoado de gente. Aqui e acolá ouve-se: Já não há respeito...;Porque não se deixou ficar na fila como os outros?!...; Andem lá com isso! O talhante, de cutelo na mão, talvez mortinho por acabar com a briga a golpes, impõem-se sonoramente, agarrando o pedaço de entrecosto: Vai assim, minha senhora, ou quer que o parta? E, virando-se para a da lata de feijão diz, num tom mais baixo: Já a atendo a seguir. Estava pacificada a multidão. Ora sabendo eu que profissionais de supermercado são mais do que mal pagos, senti por este uma simpatia e admiração imensas. Afinal, sem canudo ou título de doutor, revelou toda a sua mestria em psicologia de massas.

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